sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Texto de Ítala Clay retirado do iDança.

Impossível deixar o II Seminário Internacional de Economia da Dança, ocorrido no Rio de Janeiro nos dias 9, 10 e 11 de novembro, sem inúmeras questões – antigas e novas -, sem se remexer com as falas dos convidados perpassando os eixos temáticos escolhidos para o encontro. Helena Katz nos trouxe a importância de se construir um discurso que venha responder indagações correntes quando se pensa a dança em uma lógica de produto-consumo e não de processo-criação, reverberando a fala de Canclini na urgência de se criar o que ele denominou de uma agenda de tarefas. Esclarecedora e instigante ainda é pensar na fala de Christophe Wavelet quando nos diz que “o poder de uma obra de arte não pode ser diminuído pelas grandes mídias e pelos políticos que nos governam”, questionando até que ponto os festivais fazem o jogo do entretenimento e do turismo globalizado, e nos levam a ignorar que uma obra de arte, em sua experiência estética, é uma proposição de estranhamento e não pode ser um ato de consumo sumário. Revigoradora a escuta dos relatos e alertas apresentados no evento, nos quais presenciamos a força de se rememorar algumas conquistas e a exposição de desafios gritantes como as questões da informalidade e a importância do trato conceitual das situações vividas.
No trabalho de grupo, os desdobramentos surgiram na detecção da relevância e urgência de se promover a formação e o fortalecimento da comunidade, através de um levantamento de redes existentes em fóruns locais, bem como no desenvolver de estratégias de disseminação de informações. Por exemplo, através de seminários de economia da dança em várias cidades do país durante o ano de 2010. E os nomes foram surgindo… Recife, Salvador, Goiânia, Rio de Janeiro, Ceará, Piauí. Fiquei entusiasmada e apostei na ideia de indicar Manaus como candidata. Afinal, ganhamos o direito de sermos subsede da copa de 2014, somos a sétima economia entre as capitais do país, e a Zona Franca tem obtido um satisfatório resultado de faturamento. Enfim, todas as informações configurando um excelente quadro para a realização de negócios nos setores mais tradicionais da sociedade. Ambiente propício para a exposição de indicadores e a geração de debates, não fosse o tema “economia da dança” soar tão estrangeiro ao cotidiano dos prováveis apoiadores. Desde então tenho refletido sobre como convencer a cidade, seus habitantes, suas instituições, seus empresários, que este é um bom investimento, um negócio de altíssima qualidade. Pensei então em desenvolver algumas primeiras considerações, que possam servir como impulsos para o pensamento argumentativo e convidativo a empreitadas ainda inéditas na capital amazonense.
Primeiro momento. Há que se dizer onde as coisas dão certo. O Núcleo do Dirceu, do Piauí, é o que me vem de imediato. Uma aposta fantástica em procedimentos criativos que se evidenciam em frescor de movimento e resistência vitoriosa a políticos toscos e abruptos. Sou fã inconteste do trabalho do Dirceu. Quem sabe, talvez eu possa mostrar algum vídeo para os pretendidos parceiros e convencê-los de que é possível criar estéticas impregnadas de nossa vivência urbana e florestal, com uma assinatura livre das caricaturas de um regionalismo raso. Cito ainda o maravilhoso exercício do Café das Marias, no Ceará, apostando na economia solidária, com sua moeda alternativa, enfrentando diariamente o desafio de pensar sobre como valorar o trabalho cultural. E finalizo os exemplos com o Festival Diagnóstico, relatado por Sacha Witkoswki, resistindo às intempéries de Goiânia, com todas as dificuldades… Olha! Região Nordeste e Centro-Oeste, exatamente aquelas que, junto com a Região Norte, segundo declaração de nossos senadores, na sessão de 19 de outubro deste ano, ficam apenas com 20% da atenção do BNDES. Bom pensar que tais resultados seriam potencializados caso fossem oferecidas condições apropriadas para a criação.
Segundo momento. Pode-se relembrar que no Amazonas surge um novo cenário para a dança em Manaus a partir do final da década de 1990, com a criação do Corpo de Dança do Amazonas e do Ballet Folclórico, enquanto corpos estáveis do Teatro Amazonas, e posteriormente do curso superior de dança (bacharelado e licenciatura), na Universidade do Estado do Amazonas, em 2001. O Seminário seria uma excelente oportunidade para uma avaliação dos tempos atuais, seus pontos de tensão, bem como, e principalmente, a luta pela sobrevivência dos grupos independentes, dentre os quais cito a Índios.com Cia. de dança, o Pesquisa Cênica Corporal Uma, o Corpo de Arte Contemporânea e a Companhia de Intérpretes Independentes. A resposta que obtive prontamente dos diretores e coreógrafos destes grupos manauaras quando lhes solicitei por e-mail que respondessem sobre a manutenção dos grupos e a produção dos espetáculos evidenciou a necessidade de exposição dos problemas e do compartilhamento da situação, buscando pensar em conjunto algumas alternativas à dependência quase exclusiva dos editais nacionais e locais. Um quadro longe de ser endêmico, por configurar-se em várias outras cidades do país.
Terceiro momento. Externar o valor da profissão. Sua influência na construção da cidadania, de um corpo crítico, instigador, irrequieto, com prontidão para ações rebeldes e criativas… capaz de dialogar continuamente com o seu ambiente. E volto à fala inicial de Christophe Wavelet quando nos alerta para o fato de que a mercadoria, o produto, exige de nós um mero prolongamento do eu, enquanto na experiência estética busca-se um estranhamento do que fomos e do que pensamos ser, permitindo movimento, oportunizando crescimento de autonomia. Afinal, este não é o tão almejado e, ao mesmo tempo frustrado, objetivo de nossas instituições formais de educação? Talvez aqui se configure o instante de maior tensão para o convencimento dos parceiros, porque implica em apostar em uma lógica diferenciada, que considere em primeiro lugar o ser humano e em segundo os ganhos financeiros. Procedimento que escandaliza o capitalismo! Mas não custa tentar…
Por fim, aproveitando então a dinâmica das redes e reconhecendo sua potencialidade para promover uma enxurrada de encontros, assim como a urgência de nos beneficiarmos através da construção coletiva do pensamento, seja virtual ou em tempo real, externo um convite à Região Norte e Manaus, principalmente, para que nos alimentemos com mais alguns – ou muitos outros – motivos para realizarmos um Seminário de Economia da Dança em 2010. É claro que estou puxando a brasa para o meu tambaqui. Mas podemos também estender a todos os outros estados a pergunta: por que é importante realizar um Seminário de Economia da Dança em sua cidade? Então a minha proposta é escrevermos a várias mãos, provocando um redemoinho de sinapses…


Ítala Clay é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica: Artes pela PUC-SP, onde atualmente é doutoranda. Foi coordenadora pedagógica do Curso de Dança da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) no período de 2001-2007 e coordenadora do Programa Arte na Escola – pólo Manaus (2005-2006).

Fonte: http://idanca.net/

Conheci a Ítala no I Festival Amazonas de Dança que aconteceu em Manaus no mês de julho do corrente ano.

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